domingo, 24 de novembro de 2013

Asas e Pétalas


A menina está sonhando, por isso ri.
Com que sonha essa menina?
Sonha que voa como bem-te-vi,
Ou talvez, mais ligeira, como colibri.

Vai varando constelações – caminhos sem fim.
Em seus sonhos de menina estrelas viram flores
E às vezes borboletas multicores!
A menina sonha e a vida sorri assim.

Gravura: Duy Huynh

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Desamar


Para encontrar o meu oásis já não conto mais contigo.
Não és mais o meu horizonte nem o fundo do meu precipício.
Os meus braços já não anseiam por abraçar- te
Nem minhas mãos por acarinhar-te.
Os meus caminhos eu vou refazendo,
E agora não convergem sempre em tua direção.
Os meus olhos não te buscam em todos os cômodos,
E a minha casa não esvazia sem a tua presença.
E mesmo sabendo a tua ausência os jarros se enfeitam.

Nenhum ranço de alegria ou de pesar em mim se vê
quando teu nome se pronuncia.
A tua voz já não norteia o sentir de cada dia
E o teu silêncio não mais entristece as minhas horas.
O meu coração não está vazio de amor,
Está livre e asseado de toda tristeza que lhe causou.

sábado, 2 de novembro de 2013

Chuva fina


Goteja, goteja...
Um chorinho de chuva caindo fininha.
Passarinho amuadinho no galho da jabuticabeira
Espera resignado – só espera.
Pensar, pensa nada.
Sopra um vento sofridinho que empurra a chuva
Pra lá e pra cá -
Volátil bailarina desfalecida na grama molhada.

Foto: Ana Claudia Vargas

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Persistência


À beira do penhasco uma semente brotou.
Dia e noite, noite e dia, o vento fustigava, atemorizava, tripudiava.
Mesmo assim a planta crescia.
Mudavam as luas, as estações, e ela só fazia persistir –
Era  o que sabia.
Suas raízes se agarravam com firmeza naquela terra dura
sob a chuva nem sempre branda e o vento incessante.
Não tinha só o propósito de existir...
(Lá no vale havia tantas de sua espécie).
Seu tronco curvara-se perigosamente sobre o precipício
E depois se erguera bravamente para o alto.
Tornou-se árvore forte e imponente.

E do seu posto pode, enfim, observar o vale.


Foto da internet: autor desconhecido.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

O tempo que passa no tempo que fica - II


De uns tempos pra cá ele cismou de sentir saudade.
Seus olhos pequenos, embaçados de tempo,
Estão quase sempre úmidos de saudade.

Deu para lembrar a casa antiga que há muito,
Muito tempo  se rendeu ao peso dos anos.
Até mesmo da cidade onde nasceu resta pouco.
Os lugares por onde andou são agora caminhos de saudade.

Lembra a mãe - seus cheiros, suas flores, suas brabezas, seus mimos.
Repete seus gestos e suas palavras e, sem perceber,
Copia seus medos e suas angústias.
E dos seus olhos brotam saudades.

Fala do pai com respeito e alguma mágoa
(Talvez por causa do seu jeito duro, esculpido na aroeira dos carros de boi).
E termina quase sempre lembrando as suas grandes perdas.
E nessas horas também escorre saudade.

Recorda muitas vezes dos irmãos
Que partiram há muito – das brincadeiras de criança,
As molecagens de juventude, as rusgas e os reencontros.
E nos seus olhos minam saudade.

Agora todos os objetos têm uma espessa camada de lembranças
E todas as cenas parecem remake.
A vida corre lenta, como um rio calmo, de águas claras,
Cuja nascente ele conhece tão bem.

A foz esconde-se atrás de uma luz incerta.
É nela que mergulham todas as saudades.

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Mar de Minas

 
Haverá um mar atrás da montanha?
Não saberei  se não for até lá.
 
Por trás da montanha há sempre o mar.
 
Mar não há por trás daquela montanha.
 
Por trás das montanhas de Minas
 
uma outra montanha é o que há.


domingo, 8 de setembro de 2013

O tempo que passa no tempo que fica


Meu pai costuma se dirigir à pessoa que fez ou está fazendo algo que, de alguma forma, o desagrada, como “criatura”.

Quando meus irmãos e eu éramos crianças e ele se dirigia a nós assim, era como se dissesse o quanto aquilo que estávamos fazendo lhe estava importunando. 
Ficávamos ressabiados.

Meu pai é um contador de histórias nato! E isso sempre me empolgou! Mas o tempo era muito escasso e muitos dos causos que nos contava, com sua voz calma e um jeito muito expressivo de olhar, deveriam ter sido traduzidos em palavras escritas, pois que, palavras faladas são como borboletas -  lindas de se ver, mas de voo inconstante e frágil.
Meu pai, que nasceu em 1921, sabe tantas histórias - viveu muitas delas!

Lembro-me dele contando a primeira vez que um avião sobrevoou o pequeno povoado onde ele e a sua família moravam, por volta de 1935. A tia estava andando pelo quintal, que era muito grande e cheio de árvores e, de repente, muito assustada, entrou correndo em casa, dizendo que havia escutado uma grande zoeira no céu e avistado a cruz “de nosso senhor crucificado”; logo, o fim do mundo estava próximo, era um aviso de Deus. Todos ficaram em pânico até que alguém, melhor informado, deu os esclarecimentos – era um aeroplano.

Ele contava e ríamos imaginando as cenas.

Naquele tempo, sem televisão e jornais (que só eram encontrados nas capitais), as notícias demoravam muito a chegar aos cantinhos do país.   Aliás, ele também contou quando sua mãe voltou da cidade e disse a eles, o que era, como era, aquele "trem" chamado televisão. Ela estava maravilhada!  Como se vê, a televisão, desde a mais “tenra idade”, exerce grande poder sobre as criaturas.

Um dia desses, meu pai e eu vamos nos sentar no alpendre. Vou pedir a ele que conte as suas histórias e vou ficar atenta a todas as palavras e trejeitos de um mineiro “antigo”, não velho, e vou registrar cada detalhe.


Não quero, não devo esquecer.  Minha memória é também uma borboleta.


Obs.: a foto, tirada por Saulo Guglielmelli, encontra-se no endereço: http://www.flickr.com/photos/geraesdeminas/

domingo, 25 de agosto de 2013

Sertão


Todo dia é preciso negacear a dor
Que se sente por não ter, por não poder.
Esquece-se a dor do corpo
Pois que aquela que de fato não se sente
Pôs-se a doer muito mais.
A noite que vem chegando
Anuviou o horizonte.
Quem sabe amanhã?
Esperança é rebanho aniquilado,
Balindo desesperadamente.
Nessa terra esturricada, que surpresa,
De repente nasce uma flor.
Oh, que distração desmedida!
Sem querer foi esmagada.


Foto:Francisco Leal (http://www.piaui.pi.gov.br/noticias/index/id/8932)

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Sweet


O carro percorre a mesma estrada de tantas outras vezes.

Antes de sair de casa, ouvi uma vez mais que a temperatura é a mais baixa dos últimos quinze anos e eles todos parecem ter razão, pois o meu corpo, principalmente meus pés, parece congelado.

O carro segue por estradas umedecidas por uma garoa (quase chuva) fria que deixa o asfalto mais escuro.
Dentro, uma música muito suave – Sweet... alguma coisa.
Tento me lembrar do nome de quem está cantando.

Meus pensamentos, mais ágeis e incontroláveis, seguem à frente buscando um chuveiro de água quente e uma cama confortável enquanto arrastam um corpo pesado e cansado.
Falta muito para chegar. 

As músicas vão se alternando e eu não me disponho a substituir o cd.

A viagem continua e a mesma música toca pela terceira vez, eu acho – é Rolling Stones?... Não, não pode ser. É tão suave, tão doce que...não sei, não posso saber agora, mas também não me esforço.

Quando chego ao destino, abro a porta do carro e o vento muito frio me provoca.
A lua está esplêndida e uma estrela atrai o meu olhar; somente alguns segundos depois avisto tantas outras.
Um pensamento infantil me faz sorrir apesar do cansaço: "primeira estrela que eu vejo, realiza o meu desejo."

Algum tempo mais tarde, o banho quente e uma cama aconchegante – pensamento e corpo se reúnem em harmonia.
O conforto que agora sinto me faz lembrar da estrela e da música – As tears go by.
Um novo sorriso relampeja: “Que tristes os caminhos se não fora a mágica presença das estrelas!” – Sweet Quintana...

* A capa do CD contém erro: está mencionada a 4ª música como Sweet Caroline, mas é, na verdade, As tears go by - Rolling Stones.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Longe dos olhos...


Faz tempo que não te vejo.
Não que eu não queira.
É que existe em mim um cansaço tão grande que não saberia o que te dizer.
Queria te abraçar – queria ser abraçado.
Queria um silêncio que nos envolvesse inteiramente
E não fosse preciso dizer nada – queria que entendesse.
Queria o silêncio de antes de tudo
Antes do desejo – antes da vida.
Aquele que está além das estrelas, muito além...
Que navega o infinito,
Queria que não fosse preciso te explicar,
Queria que, simplesmente, compreendesse.
Os desejos feitos palavras transformam-se,
Transfiguram-se, diminuem.

Por isso o silêncio...

terça-feira, 18 de junho de 2013

Hora de Partir



Deixe eu ir, mãe.  
Sou um homem e sei tudo o que preciso saber.

Deixo não, meu filho, muito ainda há pra aprender.
Tanta coisa tenho pra te ensinar.
Fica aqui, filho.

Fico não, mãe. Aqui a vida parece parar e há tanto a conhecer.
Quero ver o que é que há para as bandas de lá.
Vou arrumar um emprego, vou ter dinheiro, mãe há de ver.

Pode não, meu filho! Será que não ouviu as notícias?
Lá é tão perigoso! Aqui não, tudo se sabe – tão seguro!
O mundo é só isso, um passo pra cá, outro pra lá
E essa dança termina no mesmo lugar.

Vou indo, mãe,  que aqui não quero mais ficar.
Quero estar na tal roda que gira, aqui  a vida há muito parou.
Volto um dia, mãe, com muita história pra  contar.

Vai não, meu filho. Não sei se te disse que um dia essa roda emperra,
A terra embrulha o corpo,  apaga o sorriso, esconde a presença.
O perfume o vento leva – tudo, meu filho, até a lembrança um dia se encerra.
 ...
Volta, meu filho, volta. Que o tempo anda tão rápido...

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Cedro


Me dê uma centelha ou um facho de luz – tanto faz.
Qualquer coisa que em minhas noites insones
Me faça crer  em encantos – recantos.
O clarão que alumia as lembranças mostra (quase sempre)
o que não quero ver – não quero ter.

Preciso abrir os meus braços, o meu peito,
e me deixar escapar – deixar de ser.

O vento que assopra os meus cabelos não me acarinha.
É noite de verão, mas parece inverno.
Faz frio, muito frio.

Lá, aonde nasci, as ruas eram feitas de areia branca.
Eu sabia do rio, mas nunca o vi. Eu o imaginava tão bonito!
Hoje o asfalto redesenha a cidade com recortes escuros.
Havia uma casa azul – caiada com tinta barata.
Mas era azul.  E o céu também.

Isso é o que faz cintilar as minhas lembranças. É o me que basta.
É a fagulha que acorda sentimentos indefinidos:
a essência, o cheiro de manacás trazido pela brisa branda
que areja as minhas lembranças.
Mas não me acarinha.

sexta-feira, 1 de março de 2013

Desapego

Você espera que eu te traga o sol todas as manhãs
E nem se lembra de que plantei tantas flores no nosso jardim.
Elas, as flores, precisam que a chuva venha, doce e fria.
Mas, você insiste na luminosidade e no calor todos os dias.

Ah, meu amor, quem me dera que teus olhos vissem além.
Além da cortina e da janela.
As flores estão lá fora – agradecidas e vibrantes.
Elas sabem que ainda haverá sol, talvez não hoje - noutro dia.
E esperam confiantes.

Ah, meu amor, quem diria que as flores sabem mais,
Mais da vida e da luz de cada dia.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Simples Assim



Inda há pouco caiu uma chuva – boa chuva!
Logo depois o céu se azulou de novo – esplêndido! - Assim, recém lavado.
Até parece que a cor que o coloriu respingou nas hortênsias.

Eu queria que você pudesse ver, queria que estivesse aqui.
À porta da casa eu procuro numa esperança infantil da sua presença.
Queria que viesse ver comigo, mesmo que não dissesse nada.
Só que o visse assim, ao meu lado.
O céu - absoluto.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Clausura


Estou sempre a pensar em como se chegou ao agora,
a isto, aos porquês -  nos sentimentos de antes.

Fui visitar um museu aonde tudo recendia o passado  distante,
e também se ressentia do desbotamento da beleza.
As imagens produziam consternação e
exalavam um cheiro que remetiam ao sofrimento.
Era um museu de arte sacra e o prédio, respeitado, respeitoso,
Parecia ter muitas chagas rusticamente tratadas com a cal recente.

O jovem que se apresentou para nos prestar as informações mais diversas
Nos  contou também que no andar superior, 
aonde não se pode ir - deixou claro -
Ainda moram as freiras, que são muito raramente vistas porque vivem enclausuradas.

A partir desse momento, os meus olhos queriam subir aquelas escadas,
Vasculhar cada corredor e procurar, não a freira que se escondeu,
mas o porque da clausura a que se impôs (por ela ou por outros?).

Talvez o  coração já estivesse  enclausurado - pensei - muito, muito antes
Cerrado atrás de grossas paredes de medo (ou de dor).
Por isso o corpo se deixou levar para dentro daquele lugar sombrio.
Será que Deus não as preferiria vivendo livres do cheiro que ocupa, 
um pouco mais a cada dia, os lugares antigos?  
Será que o perfume das flores não sublima mais os seus sentimentos?
Será que um dia foram meninas com vestidos coloridos e sonhos também?
... 
Do jardim, olhei as janelas – todas fechadas.
Do lado de fora, uma brisa suave passeava por entre flores e folhas.
Lá dentro – a vida enclausurada.
O coração,  os sentimentos, quem os enclausurou?

Saímos dali e seguimos pelo centro da cidade.
Lá se podiam ver muitos mendigos: homens, mulheres e crianças,
Enclausurados todos na ignorância, no cheiro repulsivo da falta.
Quem os trancafiou assim nesses mundos tão distantes e sombrios,
Coexistentes num transpor de portões?

Enquanto isso a brisa suave passeia por entre flores e folhas
e sopra sobre todos o frescor de Deus.
Mas, os enclausurados não o sentem.