quarta-feira, 25 de agosto de 2010

É Noite!


Da janela do meu quarto eu vejo a noite chegando.
Ela vai se derramando, se espalhando,
Entrando pela janela, me agasalhando.
A noite vai acontecendo em mim.
É hora de decantar os sentimentos.

“É noite. Tudo se sabe.”

O Rio


O rio corta a cidade, ambos inquietos e escuros.
Suas águas, umas vezes impetuosas, tantas outras, oprimidas,
Vão descendo avenidas, vencendo obstáculos,
Exigindo pontes, seguindo em frente.

O rio, normalmente contido e resignado,
às vezes se faz bruto e transgressor.
Reclama espaço, se vinga e mata, para, depois,
Voltar conformado para seu leito - taciturno.

A moça passa e atira-lhe uma flor;
Brincando, o rio vai girando-a nos espirais;
Alguém passa e joga lá dentro o que não lhe serve mais.
Corre o rio com presteza e leva a sujeira dali.
Há outro que, debruçado na ponte, observa-o cheio de angústia.
Lágrimas caem - o rio colhe-as para sempre.

Ele, o rio, passa; não escolhe – recolhe e acolhe:
A flor, o lixo e as lágrimas. Nada recusa.
Leva o que lhe dão – um pouco de cada um.

domingo, 15 de agosto de 2010

Embriaguez


Era ainda uma menina quando aprendeu a voar.
Seu sorriso generoso deixava ver os dentes separados e
aquelas sardas, que ela dizia detestar, lhe assentavam um ar travesso
- Como convinha a uma menina que voava.

Havia aqueles que do chão não tiravam os pés, nunca,
e outros, cuidadosos, que estavam sempre a lhe prevenir:
Menina, menina, voando tão alto, pode um dia se machucar.

A vida é longa, ela dizia. Estou recolhendo histórias
para contar mais tarde, bem mais tarde,
quando finalmente não puder mais voar.

Mas, o tempo, inquieto, corria na terra, voava nos céus.
E lá no alto, a menina só pensava em ser feliz,
Vendo e fazendo coisas e cultivando histórias
Como se a vida fosse um vôo sem fim.

E ela voava cada dia mais alto e não pensava em voltar.
Seus olhos foram ficando embaçados, cheios de nuvens.
Quase sempre embriagada dos ventos que sopravam lá no alto.

Em seu vôo cambaleante pela vida, guarda ainda o jeito de menina,
persistentes sardas no rosto e os dentes separados
- mas cadê sorriso pra mostrar?
A menina nem se lembra das histórias que guardou para contar.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Marias

Mês de maio.
Maria menina brinca nas ruas da cidade.
Lá vem ela, tão linda, cantando cantigas de roda.
Com seu vestido azul, enfeitada de flores.
Seu sonho de criança é ser bailarina.

Mês de maio.
Maria moça passeia pelas ruas da cidade.
Lá vem ela, tão jovem, sua vida é feita de sonhos.
De vestido azul, um caminho de flores.
Seu sonho de jovem é ter um grande amor.

Mês de maio.
Maria mulher caminha pelas ruas da cidade.
Lá vai ela, tão bonita, seu caminhar é mais sereno.
Vestida de azul, coberta de flores.
Seu sonho ainda é encontrar o amor.

Maria, marias de todos os meses.
Elas vêm, elas vão, meninas, moças, mulheres,
Nas ruas das cidades, Maria, marias vivendo,
Querendo flores, sonhando amores.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Fada Minha


Eu não conheci minha avó materna.

Quando eu nasci ela já havia partido – houve um desencontro.

Mas desde menina senti muito carinho por ela,
como se tivesse sempre andado ao meu lado,
penteado os meus cabelos e enxugado as minhas lágrimas.

Ela era a minha fada.

Minha mãe falava dela com tanto amor,
contava sobre sua vida sofrida e eu, menina,
sentia os meus olhos declararem a ela todo o afeto
que não tive tempo de demonstrar.

Não havia em lugar algum qualquer fotografia dela –
naquela época fotografias eram coisa difícil.
Então, eu dei um rosto a minha avó,
criado com os meus sentimentos – os melhores:
um rosto delicado, tão suave! E eu a amei.

Para ela eu plantei flores, escolhi músicas.
É nela que eu penso quando ouço Sonata ao Luar (Moonlight Sonata),
É ela que imagino sentada na cadeira de balanço,
extasiada com o meu jardim.