quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Clausura


Estou sempre a pensar em como se chegou ao agora,
a isto, aos porquês -  nos sentimentos de antes.

Fui visitar um museu aonde tudo recendia o passado  distante,
e também se ressentia do desbotamento da beleza.
As imagens produziam consternação e
exalavam um cheiro que remetiam ao sofrimento.
Era um museu de arte sacra e o prédio, respeitado, respeitoso,
Parecia ter muitas chagas rusticamente tratadas com a cal recente.

O jovem que se apresentou para nos prestar as informações mais diversas
Nos  contou também que no andar superior, 
aonde não se pode ir - deixou claro -
Ainda moram as freiras, que são muito raramente vistas porque vivem enclausuradas.

A partir desse momento, os meus olhos queriam subir aquelas escadas,
Vasculhar cada corredor e procurar, não a freira que se escondeu,
mas o porque da clausura a que se impôs (por ela ou por outros?).

Talvez o  coração já estivesse  enclausurado - pensei - muito, muito antes
Cerrado atrás de grossas paredes de medo (ou de dor).
Por isso o corpo se deixou levar para dentro daquele lugar sombrio.
Será que Deus não as preferiria vivendo livres do cheiro que ocupa, 
um pouco mais a cada dia, os lugares antigos?  
Será que o perfume das flores não sublima mais os seus sentimentos?
Será que um dia foram meninas com vestidos coloridos e sonhos também?
... 
Do jardim, olhei as janelas – todas fechadas.
Do lado de fora, uma brisa suave passeava por entre flores e folhas.
Lá dentro – a vida enclausurada.
O coração,  os sentimentos, quem os enclausurou?

Saímos dali e seguimos pelo centro da cidade.
Lá se podiam ver muitos mendigos: homens, mulheres e crianças,
Enclausurados todos na ignorância, no cheiro repulsivo da falta.
Quem os trancafiou assim nesses mundos tão distantes e sombrios,
Coexistentes num transpor de portões?

Enquanto isso a brisa suave passeia por entre flores e folhas
e sopra sobre todos o frescor de Deus.
Mas, os enclausurados não o sentem.

Um comentário:

  1. Sua visão muito particular do mundo sempre revela sentimentos que são como janelas que se abrem para lugares iluminados e belos, mesmo quando são tristes ou melancólicos. A capacidade de construir esses 'mundos' tão reveladores é muito rara e você a tem. Gostei muito, faça o favor de atualizar o blog semanalmente, tá? :-)

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