domingo, 8 de setembro de 2013

O tempo que passa no tempo que fica


Meu pai costuma se dirigir à pessoa que fez ou está fazendo algo que, de alguma forma, o desagrada, como “criatura”.

Quando meus irmãos e eu éramos crianças e ele se dirigia a nós assim, era como se dissesse o quanto aquilo que estávamos fazendo lhe estava importunando. 
Ficávamos ressabiados.

Meu pai é um contador de histórias nato! E isso sempre me empolgou! Mas o tempo era muito escasso e muitos dos causos que nos contava, com sua voz calma e um jeito muito expressivo de olhar, deveriam ter sido traduzidos em palavras escritas, pois que, palavras faladas são como borboletas -  lindas de se ver, mas de voo inconstante e frágil.
Meu pai, que nasceu em 1921, sabe tantas histórias - viveu muitas delas!

Lembro-me dele contando a primeira vez que um avião sobrevoou o pequeno povoado onde ele e a sua família moravam, por volta de 1935. A tia estava andando pelo quintal, que era muito grande e cheio de árvores e, de repente, muito assustada, entrou correndo em casa, dizendo que havia escutado uma grande zoeira no céu e avistado a cruz “de nosso senhor crucificado”; logo, o fim do mundo estava próximo, era um aviso de Deus. Todos ficaram em pânico até que alguém, melhor informado, deu os esclarecimentos – era um aeroplano.

Ele contava e ríamos imaginando as cenas.

Naquele tempo, sem televisão e jornais (que só eram encontrados nas capitais), as notícias demoravam muito a chegar aos cantinhos do país.   Aliás, ele também contou quando sua mãe voltou da cidade e disse a eles, o que era, como era, aquele "trem" chamado televisão. Ela estava maravilhada!  Como se vê, a televisão, desde a mais “tenra idade”, exerce grande poder sobre as criaturas.

Um dia desses, meu pai e eu vamos nos sentar no alpendre. Vou pedir a ele que conte as suas histórias e vou ficar atenta a todas as palavras e trejeitos de um mineiro “antigo”, não velho, e vou registrar cada detalhe.


Não quero, não devo esquecer.  Minha memória é também uma borboleta.


Obs.: a foto, tirada por Saulo Guglielmelli, encontra-se no endereço: http://www.flickr.com/photos/geraesdeminas/

4 comentários:

  1. Ah, que lindo tudo isso! E como você escreveu carinhosamente bem. Adoro histórias contadas pelos mais velhos. E como mineiro adora contar causos, não é? Pode me convidar para sentar no alpendre que vou amar ouvir as histórias. Dois beijos!

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  2. Espero estar no alpendre nesse dia também rs

    Gostei de ver aqui esse 'causo' tantas vezes contado pelo pai, acho que a história ficou mais comovente, mais colorida até.

    'Bão demais da conta', como diria o seu Geraldo rs

    beijos

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  3. Pai, um bom contador de "causo" a filha uma boa contadora de "história".
    Adorei! Foi escrito de um jeitinho como se estivesse vendo e ouvindo ele contar.
    Bjs!

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  4. Não conheço seu pai, mas pelo comentário apaixonado das irmãs imagino que os causos sejam bons mesmo!

    Mas a filha também não é ruim não, senão esse blog não existiria :)

    beijos!

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