domingo, 9 de maio de 2010

RETORNO


Era ainda manhã quando o carro parou na frente da casa.
Havia um portão grande, de ferro, por onde se via o quintal. Via-se também grandes árvores, antigas, e debaixo de uma delas um banco de madeira, alisado pelo uso, envelhecido pela longa exposição ao tempo, coberto de folhas, como a dizer que há muito não era usado.

Para ele, aquelas árvores eram novidade, mas a casa não. Mesmo assim, olhou o número como a confirmar que era ali mesmo.

Com uma das mãos no portão, o homem olhou a casa, depois voltou o olhar para a rua e, por um longo momento, considerou que talvez devesse tocar a campainha da porta principal. Deu alguns passos em sua direção, mas, mudou de ideia.

Seus movimentos eram lentos e ele concluiu que isso se devia à longa viagem na qual ele dirigira toda a noite. Desde que recebera o telegrama, pensou ele. Talvez, depois de um bom café, as coisas voltem ao ritmo normal, pensou novamente.

Percorreu alguns metros, passando embaixo das árvores até alcançar a porta dos fundos. Olhou lá dentro, ‘ainda’ era a cozinha, e depois o corpo da casa, envolvido pela penumbra da manhã. Ouviu vozes suaves vindas lá de dentro, antigas como as árvores, e sentiu uma ligeira contrariedade.

Apertou um pouco os olhos e viu lá dentro um homem de cabelos brancos, de óculos, que, num movimento quase simultâneo também o olhou. Enquanto vinha em sua direção, sem pressa, ele reconheceu o jeito de andar, os olhos também apertados, tentando identificar aquele homem parado na porta de sua cozinha. Parecia buscar em um canto esquecido, numa gaveta que há muito não se abria, uma fotografia. Segurava em suas mãos um papel que estava lendo, enquanto andava em direção a ele.
Eram gestos comedidos, duvidosos, quando o visitante disse:
- Pai?
Era um chamado, mas também uma interrogação.

O pai sentiu um breve estremecimento, uma angústia descabida, quase uma fraqueza a tomar conta de seu corpo, sem saber se estendia a mão ou se abria os braços e acolhia aquele homem parado à sua porta. Sentiu-se inseguro naquele gesto tantas vezes ensaiado. E dele se ouviu uma voz cansada, surpresa, que também soou como uma interrogação.
- Filho?

Então, eles se reconheceram e se abraçaram, indecisos.

Estavam quase tímidos assim tão próximos. Havia tanta coisa a perguntar, a comentar, mas, tudo parecia ter se perdido no tempo.
O pai olhava o filho e perguntava lá dentro do seu coração: ‘por quê tanto tempo? O caminho que te levou não te ensinou a voltar?’ - Tinha vontade de saber o que rompeu, se ele não sentiu saudade, mas, a voz estava embargada, parecia uma mágoa. O tempo...

O filho perguntou antes: “E a mãe, como está”?
O pai respondeu que ela estava lá dentro, deitada. Estava enfraquecida pela doença. Por isso ele havia enviado aquele telegrama. Não sabia se o endereço ainda era o mesmo. O neto havia procurado na internet. O neto, filho de sua irmã...

Irmã... Ele tinha uma irmã. E também sobrinhos... De novo aquela contrariedade fez sombra em seu olhar.

E o pai continuou a dizer-lhe, sem pressa, sem alterar a voz, que enviou o telegrama: sua mãe... “doença ruim’... se quiser... se puder... O pai quis olhá-lo, examiná-lo, confirmar o tempo na cor do cabelo, nos vincos do rosto, mas, teve receio, faltou intimidade. Quanto tempo? Quando saiu de casa contava 20 anos, agora - quase 50.
De novo sentiu um breve estremecimento. Queria saber o que houve, se tinha mulher e filhos, mas, o tempo...

Ao invés disso, o pai perguntou-lhe se queria ver a mãe. Ele respondeu que sim, levantou-se lentamente e entrou na casa. A mesma casa, algumas mudanças, mas, a mesma casa. Como ele mesmo.

Ao entrar no quarto, as janelas estavam abertas, e ele viu uma mulher abatida, ainda bonita, que o olhou assim que atravessou a porta e a luz da janela iluminou-o como se estivesse num pequeno palco.

- Filho?
Ele quis responder, quis dizer tanto, mas, uma grande contrariedade inundou-lhe os olhos, o coração.

Ela perguntou: ‘por quê’? Tão baixo como só o coração sabe dizer.
Ele não soube, nunca saberia responder. Quem sabe – culpa do tempo...

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