Meu pai costuma se dirigir à
pessoa que fez ou está fazendo algo que, de alguma forma, o desagrada, como
“criatura”.
Quando meus irmãos e eu éramos
crianças e ele se dirigia a nós assim, era como se dissesse o quanto aquilo que
estávamos fazendo lhe estava importunando.
Ficávamos ressabiados.
Meu pai é um contador de
histórias nato! E isso sempre me empolgou! Mas o tempo era muito escasso e muitos
dos causos que nos contava, com sua
voz calma e um jeito muito expressivo de olhar, deveriam ter sido traduzidos em
palavras escritas, pois que, palavras faladas são como borboletas - lindas de se ver, mas de voo inconstante e
frágil.
Meu pai, que nasceu em 1921, sabe tantas histórias -
viveu muitas delas!
Lembro-me dele contando a
primeira vez que um avião sobrevoou o pequeno povoado onde ele e a sua família moravam,
por volta de 1935. A tia estava andando pelo quintal, que era muito grande e
cheio de árvores e, de repente, muito assustada, entrou correndo em casa,
dizendo que havia escutado uma grande zoeira no céu e avistado a cruz “de nosso
senhor crucificado”; logo, o fim do mundo estava próximo, era um aviso de Deus.
Todos ficaram em pânico até que alguém, melhor informado, deu os
esclarecimentos – era um aeroplano.
Ele contava e ríamos imaginando
as cenas.
Naquele tempo, sem televisão e
jornais (que só eram encontrados nas capitais), as notícias demoravam muito a
chegar aos cantinhos do país. Aliás, ele
também contou quando sua mãe voltou da cidade e disse a eles, o que era, como
era, aquele "trem" chamado televisão.
Ela estava maravilhada! Como se vê, a
televisão, desde a mais “tenra idade”, exerce grande poder sobre as criaturas.
Um dia desses, meu pai e eu vamos
nos sentar no alpendre. Vou pedir a ele que conte as suas histórias e vou
ficar atenta a todas as palavras e trejeitos de um mineiro “antigo”, não velho,
e vou registrar cada detalhe.