domingo, 21 de novembro de 2010

Pipas

“Ô, avião, traz um nenê pra mamãe”!

- Cala a boca, menino, não fale besteira.

Eu não sabia, aviões naquela época, naquele lugar, eram raros.
Filhos, não. Éramos muitos.

Éramos muitos...
Meus irmãos mais velhos foram crescendo,
Cresceram tanto que se distanciaram dos mais novos.

Meu pai era como um menino franzino,
Que controlava os filhos como quem empina várias pipas ao mesmo tempo.
Uma hora uma se movimentava mais, se desequilibrava,
Depois se endireitava, e o vento já a perturbar outra.

Os mais velhos voavam mais alto, todo dia se distanciavam,
Cada dia um pouco mais, um tanto mais longe,
até que a linha arrebentou.

E como num passe de mágica, as pipas mais altas,
Livres de suas linhas, criaram asas, independência.

O menino que corria atrás de suas pipas foi ficando cansado,
Já não podia mais correr - nem precisava – pra quê?
Suas pipas agora tinham asas, podiam se equilibrar sozinhas.
Podiam até se esquecer de que eram feitas de papel,
De que antes tinham linhas e que havia uma mão a segurá-las.
Foto: Cândido Portinari - Pipas